Humanidades

A guerra nunca terminou realmente na asia, diz o estudioso de Stanford
Amedida que o 75º aniversa¡rio da Segunda Guerra Mundial termina formalmente na asia, o socia³logo de Stanford Gi-Wook Shin discute como o conflito nunca foi totalmente resolvido na regia£o e os problemas que ainda persistem hoje.
Por Melissa De Witte - 28/08/2020


O dia 2 de setembro de 1945 éreconhecido em muitos livros de história americanos como o dia em que a Segunda Guerra Mundial terminou formalmente na asia. Mas de acordo com o socia³logo de Stanford Gi-Wook Shin , o conflito nunca foi totalmente resolvido na regia£o, levando a tensaµes nas relações diploma¡ticas hoje.

No 75º aniversa¡rio deste marco hista³rico, Shin discute o legado da Segunda Guerra Mundial na asia-Paca­fico, especificamente o fracasso entre as nações em resolver completamente os erros do passado e chegar a um entendimento maºtuo do conflito.

Como resultado, háuma “incompatibilidade” na forma como coreanos, chineses, japoneses e também americanos comemoram a guerra: a China comemora sua vita³ria contra o Japa£o, enquanto a Coreia comemora sua libertação da opressão japonesa. Enquanto isso, o Japa£o homenageia as vitimas dos bombardeios ata´micos em Hiroshima e Nagasaki - uma atrocidade sobre a qual muitos americanos ainda se sentem desconforta¡veis ​​em falar hoje, Shin aponta.

Aqui, Shin discute como essas perspectivas divergentes da Segunda Guerra Mundial levaram a daºvidas hoje e como, cerca de 75 anos depois, as relações ainda podem ser melhoradas na regia£o.

Shin éprofessor de sociologia na Escola de Humanidades e Ciências, diretor do Centro de Pesquisas da asia-Paca­fico Walter H. Shorenstein, Professor William J. Perry da Coreia Contempora¢nea, diretor do Programa Coreano e membro saªnior do Freeman Instituto Spogli de Estudos Internacionais. Ele liderou um estudo de uma década sobre memória hista³rica no período de guerra na asia, chamado  Mema³rias Divididas e Reconciliação .

Enquanto o mundo se lembra de 75 anos do fim da guerra na asia, que legados desse período persistem atéhoje?

A guerra realmente não terminou na asia. Mesmo antes de os acordos de guerra serem assinados, outra guerra eclodiu na pena­nsula coreana e tecnicamente nunca terminou. Além disso, as “guerras hista³ricas” que começam na década de 1980 se intensificaram nos últimos anos, a  medida que o Japa£o e seus vizinhos continuam a lutar por um passado infeliz e disputas por territa³rios. Apesar do aumento das trocas e interações econa´micas, culturais e educacionais, os legados da guerra continuam a prejudicar as relações regionais.

Existe algo nesta história que vocêacha que foi amplamente esquecido, negligenciado ou mal compreendido?

Enquanto o general Douglas MacArthur do Exanãrcito dos EUA aceitou formalmente
a rendição do Japa£o a s forças aliadas a bordo do USS Missouri na Baa­a de Ta³quio,
cerca de 75 anos atrás, os legados da guerra persistiram, prejudicando as relações
regionais atéhoje, de acordo com Shin. (Crédito da imagem:
Marinha dos Estados Unidos / Wikimedia Commons)

A Amanãrica comemora a vita³ria da Segunda Guerra Mundial na Europa (Dia da Vita³ria na Europa), mas permanece relativamente quieta em sua vita³ria na guerra da asia-Paca­fico. Em contraste com a clareza moral e a nobreza de propa³sito associadas a  guerra na Europa e a  derrota da Alemanha nazista, o caminho para a guerra com o Japa£o e sua conclusão émuito menos claro e muitos americanos ainda se sentem desconforta¡veis ​​ao falar sobre o uso de armas atômicas - mesmo que fosse militarmente necessa¡rio, mas moralmente questiona¡vel. Além disso, foi durante a guerra que cerca de 120.000 pessoas nos Estados Unidos de ascendaªncia japonesa (62 por cento sendo cidada£os americanos) foram encarceradas em campos de concentração.

Em comparação com a Europa, os assentamentos liderados pelos EUA no pa³s-guerra na asia, como o Tribunal de Crimes de Guerra de Ta³quio e o Tratado de Paz de Sa£o Francisco, foram insuficientes para lidar com as atrocidades cometidas pelo Japa£o durante a guerra e o período colonial, semeando as atuais disputas e tensaµes entre o Japa£o e seus vizinhos. O tribunal de Ta³quio se concentrou nas ações japonesas que afetaram mais diretamente os aliados ocidentais (o ataque a Pearl Harbor e os maus-tratos a prisioneiros de guerra aliados) e, portanto, falhou em lidar com o sofrimento massivo dos chineses e coreanos. O Tratado de Paz de 1951 eliminou as obrigações do Japa£o de pagar reparações por seus atos durante a guerra, mas nem a República da Coreia nem a República Popular da China fizeram parte do tratado.

Vocaª escreveu extensivamente sobre o fracasso repetido entre coreanos, chineses e japoneses em produzir uma visão compartilhada e hista³rica da Segunda Guerra Mundial. Vocaª pode descrever brevemente o que são essas memórias hista³ricas conflitantes? 

Para coreanos e chineses, as atrocidades japonesas, como o massacre de Nanjing, a escravida£o sexual e o trabalho forçado, são eventos importantes que moldam suas memórias hista³ricas. Para os japoneses, por outro lado, ações relacionadas aos Estados Unidos, como o ataque japonaªs a Pearl Harbor e os bombardeios americanos (de fogo e ata´micos) em cidades japonesas são mais importantes para a formação de suas memórias de guerra, o que levou a um amplo considerou que eles também foram vitimas da agressão americana e que os assentamentos do pa³s-guerra eram "justia§a do vencedor". Essas memórias divergentes se refletem nas maneiras como comemoram o fim da guerra. A China comemora sua vita³ria contra o Japa£o na guerra, enquanto a Coreia comemora sua libertação da opressão japonesa. O Japa£o realiza sua cerima´nia anual para homenagear as vitimas dos bombardeios ata´micos. 

De acordo com sua bolsa, o que explica essas perspectivas divergentes?

A divergaªncia vem do peso diferente que cadapaís atribui aos acontecimentos hista³ricos em sua respectiva formação de memória. As ações japonesas figuram com destaque para chineses e coreanos, mas a China e a Coreia não são tão significativas para as memórias de guerra japonesas quanto os EUA. Essa incompatibilidade cria lacunas de percepção e daºvidas, dificultando a reconciliação hista³rica. 

Como essa tensão afetou as relações na regia£o? Vocaª acha que, cerca de 75 anos depois, essas tensaµes persistem hoje?

Sim, eles estãomuito vivos. Veja as relações atuais entre japoneses e sul-coreanos. Eles são duas economias lideres com democracias liberais na asia e também aliados importantes dos EUA. Eles são parceiros comerciais importantes e estãoenfrentando a mesma crise demogra¡fica. Eles compartilham interesses estratanãgicos em face da crescente agressão da China e da Coreia do Norte. No entanto, o ressurgimento das questões hista³ricas não resolvidas continuou a forçar o relacionamento bilateral. Por exemplo, o relacionamento se deteriorou desde o final de 2018, quando a Suprema Corte da Coreia do Sul decidiu que as empresas japonesas deveriam compensar os coreanos que foram recrutados como trabalhadores forçados durante a guerra. Em resposta a  decisão, o governo japonaªs removeu a Coreia de uma lista de parceiros comerciais favoritos e o governo coreano fez o mesmo.

Os EUA podem desempenhar algum papel para ajudar a alcana§ar a reconciliação hista³rica?

Os EUA podem assumir um papel mais pra³-ativo ao encorajar o Japa£o a trabalhar para alcana§ar a reconciliação regional. Conforme observado acima, o Japa£o não parece estar levando seus vizinhos asia¡ticos tão a sanãrio quanto deveria quando se trata de questões hista³ricas, mas estãopredominantemente focado na reconciliação com os EUA. Por exemplo, o Japa£o vinha pedindo a visita do presidente dos EUA os locais dos bombardeios ata´micos como uma forma de "remover um espinho hista³rico" no relacionamento e o presidente Obama fez uma visita hista³rica a Hiroshima em 2016. O primeiro-ministro japonaªs Shinzo Abe fez o mesmo logo depois, visitando Pearl Harbor para prestar homenagem a s vitimas do ataque de 1941. Mas os esforços de reconciliação pararam aa­ e não se expandiram para outrospaíses vitimas da guerra.

Quando vocêensina esta história da Segunda Guerra Mundial, o que vocêlembra aos alunos sobre esse período? Como o passado pode moldar a compreensão dos alunos sobre o Nordeste da asia ou os EUA nos dias atuais?

Para evitar a repetição do passado infeliz (colonialismo e guerra), pergunto, o que e como podemos aprender com a história? Por exemplo, a guerra com o Japa£o foi necessa¡ria ou foi fruto de uma sanãrie de acidentes e erros de ca¡lculo ou da falta de liderana§a pola­tica? Como a guerra nos ajuda a entender as tensaµes atuais entre os EUA e a China? O que podemos aprender com a experiência do internamento japonaªs durante a guerra? Mesmo que o presidente Reagan tenha feito um pedido oficial de desculpas pelo internamento em 1988, por que ainda vemos políticas racistas semelhantes na sociedade americana? Abordar essas questões requer uma reflexa£o cra­tica da história.

 

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